Exorciza!

Lembro-me de nos começarmos a mascarar a seguir às aulas terminarem do liceu, a ultimar os preparativos dos dias anteriores, quem ia vestir o quê, o nosso percurso, o grupo. As abóboras, descascar a abóbora, fazer as caras da abóbora. A minha eterna falta de jeito. E depois...e depois éramos nós. As pinturas, os sapatos, os acessórios, nunca nos escapou o mais ínfimo. Recusávamos comprar fatos de nylon foleiros pouco ou nada a ver com que o que pretendiamos e em 4 anos que criámos fatos nunca mas nunca repetimos, no máximo reenventámo. A eterna capa de R. (onde andará?) . Foi nesses anos que aprendi que o melhor é melhor! E embora fosse uma brincadeirinha nos últimos anos chocava-me quando via os outros miúdos todos mal mascarados, como se trazer um chapéu de bruxa fizesse dela bruxa, como se uma máscara fizesse com que eu arrepiasse com ele. Depois hoje querem tudo e muito, deixou de ser divertido para ser mercenário. Jamais connosco.

Sentiamo-nos poderosos e irreconhecíveis. Como se as poções que nunca tivemos na noite das Bruxas nos desse o doce da invencibilidade e o sabor amargo nos outros da temeridade. Entrámos em festas de anos, apanhámos grandes sustos (lembram-se do pastor alemão a correr atrás de nós e a nossa falta de deslocação com os vestidos apertados e as abóboras na mão?) , rimos, rimos, rimos. Reaproximámo-nos de quem por outras circunstâncias seria impossível (naquela altura pelo menos ).

A eterna mistíca da noite. E nós miúdos, tão miúdos sempre por aí. Ganhávamos no máximo 500$ ou 600$ para cada um, ganhávamos os doces velhos das pessoas e rebuçados do Lidl mas sobretudo todos ganhámos memórias inolvidáveis. Alongámos este ritual de dia 31 até um bocadinho tarde demais, se calhar a nostalgia de abandonar. Começámos quando ainda não havia ninguém na rua. Agora as abóboras são substituídas por ovos e farinha para cima das casas e o Doçura ou Travessura tornou-se um acessório.

Hoje em dia e passados alguns anos , o que tenho mais saudades mesmo era aquela tão fácil metamorfose...ainda que por uma noite.